11/14/2018

EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE ARTE POSTAL EM ITABIRA MG



Release – Ação poética na Exposição “No Meio do Caminho”
O Instituto Imersão Latina realizará 16.Nov.2018 as 19 h, uma ação poético/performática na exposição internacional de Arte Postal “No Meio do Caminho”, que acontece na Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, em Itabira (MG) Brasil.
Exposição
A exposição teve uma pré-abertura na 17ª Semana Literária Drummondiana, e é constituída de obras de 90 autores de 23 países, que apresentam suas criações no sistema da Arte Postal. Com curadoria de Tchello d’Barros (RJ), a mostra integra a programação do I-Poem@ - Encontro Internacional de Escritura Migrante, coordenado por Brenda Marques Pena (MG), em instituições culturais das cidades mineiras de Belo Horizonte, Itabira, Ipoema, Moeda e Ravena. Após o período expositivo a mostra terá uma versão na Internet. De acordo com o curador, a exposição “é uma ação que visa reunir criações poéticas e imagéticas de diferentes origens em nosso planeta, convergindo com o poema de Drummond e ampliando o tema para questões como as migrações, os refugiados e o momento atual da geopolítica global”.
Artistas e Países:
ALEMANHA: Horst Tress - Lars Schumacher - Lutz Beeke - PC Tictac - Hans Braumüller - Susanne Schumacher |ARGENTINA: Alejandra Besozzi - Ana Montenegro - Claudio Mangifiesta - Negreira Patricia Walter Brovia |ÁUSTRIA: Gunter Vallaster - Horvath Piroska - Klaus Pinter | BÉLGICA: The Wasted Angel - R. Ramon |BRASIL: Almandrade - Bruce Svain - Constança Lucas - Dorian Ribas Marinho - Ermínia Marasca Soccol - Eni Ilis - Iara Abreu - Janyce Soares de Oliveira - Joaquim Branco - Gringo Carioca - Hugo Pontes - Jane Beatriz Sperandio Balconi -Jussara Leite Kronbauer - Karla K. Lipp - Maria Caruso - Maria do Carmo Toniolo Huhn -Maria Flor - Maria Julieta Damasceno Ferreira - Maria de Lourdes Rabello Villares - Maria Tereza Penna - Marithê Bergamin - Martina Berger - Ricardo Alfaya - Roberto Keppler - Sirlei Caetano - Tchello d’Barros - Terezinha Fogliato Lima - Coletivo Gralha Azul | CANADÁ: Christopher Willard | CHILE: Antonio Cares | DINAMARCA:Marina Salmaso - Poul Poclage - Victor Vidal | ESPANHA: Antonia Mayol Castelló - Daniel de Culla - Ibirico -Ferran Destemple - Juan López de Ael - Miguel Jimenez - Pedro Bericat - Rafael Gonzales - Sabela Baña | EUA:Daniel C. Boyer - Henry Guild - John M. Bennet - Michelangelo Mayo - Steve Dalachinsky - Reid Wood - | ESTÔNIA: Ilmar Kruusamãe | FINLÂNDIA: Anja Matilla-Tolvanen - John Gayer - Paul Tililã | FRANÇA: André Robèr - Richard Baudet | GRÉCIA: Katerina Nikoltsou | ITÁLIA: Bruno Chiarlone - Cinzia Farina - Daniele Virgílio - Franco Ballabeni - Giovanni e Renata StraDA DA - Maya Lopez Muro - Oronzo Liuzzi - Roman Bueri | JAPÃO: Keiichi Nakamura - Keigo Hara - Tohei Mano | NORUEGA: Jaromir Svozilik | POLÔNIA: Miron Tee | PORTO RICO: Esteban Valdés | PORTUGAL: Avelino Rocha - Fernando Aguiar | RÚSSIA: Alexander Limarev| TURQUIA: Derya Avci | URUGUAI: Clemente Padin

..........Texto Curatorial:

TINHA A ARTE POSTAL NO MEIO DO CAMINHO
por Tchello d’Barros*
“Disseram que jamais atravessaríamos a fronteira.
E agora, aqui estamos nós.”
Corey Taylor

“No Meio do Caminho” apresenta um diálogo entre textos e imagens de diferentes linguagens com o sistema da Arte Postal, estabelecendo um espaço específico - o Cartão Postal - como lugar de encontro com o leitor/visualizador das obras. Tal pluralidade de linguagens, desta vez homenageia o grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, em releituras textuais e visuais de seu emblemático poema.
Um dia, o filho maior de Itabira encontrou seu lugar na metrópole, mas qual o lugar ideal da Arte na contemporaneidade? Podemos mencionar as exposições, livros, espaços culturais, Internet e mídias digitais, mas antes de tudo talvez possamos considerar que seja um lugar interno em nós, onde a arte possa inquietar, comunicar e causar reações estéticas. A Arte Postal é uma sobrevivente de nossa turbulenta passagem para a pós-modernidade, abriu seu espaço na era digital, cruzou a linha do novo milênio, chegou aos nossos dias reinventando-se sempre mais, transgressora, crítica e política. E não veio apenas para ficar, mas para ampliar seu arco temático, seja pelo viés do humor, seja pela crítica mordaz nas abordagens dos grandes temas da humanidade, desde tensões geopolíticas, desníveis socioeconômicos, as relações humanas e até mesmo aspectos inusitados do cotidiano.
A Arte Postal – Arte Correo, Mail Art – vem ampliando suas redes de trocas simbólicas em todos os continentes, aumentando cada vez mais seus adeptos, e, para além das mostras coletivas, vem potencializando seus públicos de forma exponencial nos meios virtuais. Essa modalidade está mais viva do que nunca, num constante tráfico de poéticas diversas, num intercâmbio de obras, livres das amarras acadêmicas, das demandas de mercado e de engessamentos institucionais.
Atenderam ao chamado desta vez 90 artistas de 23 países, apresentando suas criações em técnicas como desenho, pintura, colagem, infogravura, fotografia, reprografia, assemblages, caligrafia, técnicas mistas, selos autorais e carimbos personalizados. E cada Cartão Postal possui elementos de manufatura que os tornam únicos, em contraponto com a cultura de massa em que nossa sociedade está inserida. O meio desse caminho bifurcou-se em releituras, como escrituras migrantes, trilhando sendas cada vez mais debatidas na atualidade, como Migração, Emigração, Imigração, Refugiados, Fronteira, Aduana, Xenofobia, Geopolítica, Clandestinidade, Percurso, Itinerário, Trajetória, Soberania, Integração, Território, Esperança, Mapa, Bússula, Latitude/Longitude, etc.
Provocar a produção em Arte Postal no cenário brasileiro e internacional, estimular a presença dessas linguagens e suportes nos meios culturais e tensionar aspectos conceituais para uma possível reflexão ou debate, são alguns pontos de partida desta mostra. E, talvez, um ponto de chegada num lugar chamado Arte, seja para quem quer trilhar essa vereda com suas criações, seja apenas para quem ama a arte em todos seus caminhos.

*Tchello d’Barros é Escritor, Artista Visual e Curador
Rio de Janeiro (RJ), Brasil - outubro 2018
...............................................................................
Serviço:
Ação Poética: 16 de novembro de 2018
Horário: 19 h
Local: Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade
Itabira (MG) Brasil
Visitação: Até 26 de novembro de 2018
Entrada franca

Links:
- “No Meio do Caminho” no Facebook:
www.facebook.com/poeticasmigrantes
- Instituto Cultural Imersão Latina:
www.imersaolatina.com









9/19/2018

HER MAJESTY - poema







HER MAJESTY
Joaquim Branco

Para Elizabeth Abritta Alves Schelb

“Her Majesty's a pretty nice girl” (Lennon & Mccartney)


Beauty
Her
Town
Merry
Down

Há belas pessoas,
poucas como ela.
Umas vivem
outras deixam-se ver
mas não são como antes.

São majestades
quando brincam,
vontades que se falam.
Comigo era brincando
sempre, sorrindo única,
Indo e vindo
desafiando
fugindo nunca.

Era o seu jeito
hoje deixado na mente
dos que sentem sua
ciência impermeável
de ser gente.

Elizabeth, Queen.

(19-09-2018)

9/10/2018

A ETERNA PROCURA DA POESIA: JB, O GUARDIÃO DA PALAVRA




por Francis Paulina Lopes da Silva[i]

Para todos os povos, a Poesia vem traduzindo os sonhos e sentimentos da humanidade, amenizando suas dores e extravasando suas alegrias. Pelo verbo poético, é possível tornar-se etérea e suave, reflexiva e lúdica e até mesmo risível e satírica a experiência humana de confronto consigo mesmo, com a vida, com o outro, o mundo, com Deus...

Nesta Cataguases que inspirou, acolheu e nos trouxe à luz tantos artistas da palavra, como nos tempos áureos do movimento modernista Verde, entre nós, hoje temos o privilégio de conviver com o poeta Joaquim Branco, que a si mesmo intitulou “O Caça-palavras”, mas, para nós se revela muito mais além, como o guardião da palavra poética...

Com seu espírito crítico e gênio criativo, Joaquim Branco Ribeiro Filho (Cataguases, 1940), JB, para nós, seus amigos e mais, para toda a memória cultural, vem realizando um incansável trabalho de produção, difusão, pesquisa da arte da poesia, que sempre nos surpreende e inquieta.

Nos tempos atuais, marcado pelo fim das utopias, o poeta cataguasense critica a sociedade pelo impacto da poesia visual. Em versos breves, faz da folha branca sua bandeira poética – e agora, na tela digital, o registro do protesto-denúncia, como uma mancha incômoda no olhar do leitor, um grito que ecoe nas suas consciências. Em um de seus tantos livros, Caça-palavras (1997), os poemas revelam a pena atenta, sagaz deste Hermes da Pós-Modernidade, que dá seu recado com a destreza da palavra – flecha rápida, exata e certeira – lançada à sociedade.

O poema processo de JB se projeta como extensão do olhar crítico do poeta, na denúncia provocativa à realidade econômica, social e moral do país.

Um excelente exemplo deste seu olhar crítico à sociedade brasileira, lançado como flecha aguda contra a liderança política nacional é o micropoema de JB, composto recentemente, intitulado “Pontuador”:





A flecha aguçada de JB seleciona as palavras, na entonação e pontuação exatas do profissional das Letras – Professor, Educador, Poeta e Crítico – Pontuador, que joga ironicamente os dados aos alvos certos. A Deus, o Justo Senhor, é preciso temer... Mas diante do caos sociopolítico e econômico do país, desencadeado desde a posse do atual Presidente, o poeta é incisivo: “– Temer, adeus!”, pontuando a voz do povo sofrido, decepcionado e saturado dos desmandos que geraram um retrocesso para a Nação.

Mas hoje aqui viemos atentar para outra habilidade de JB, ao lidar com a palavra... Professor, Educador, Poeta e Crítico, ele também se dedica à ficção. Este livro que hoje nos chega em sua segunda edição, O menino que procurava o Reino da Poesia, obra que ele mesmo indica como ficção infanto-juvenil, foi publicado em 2005.

Nesta obra, o Poeta JB se desdobra em outros poetas, para falar da importância e do papel da Poesia para a humanidade, como um Reino mágico, a ser explorado com intensidade e paixão. Este, segundo o narrador, “É o reino das coisas da mente e do coração, da sensibilidade e da simplicidade” e os poetas são:

[...] os habitantes desse reino e sabem como ninguém lidar com os sonhos e os acontecimentos do dia-a-dia. Eles costumam mover as montanhas, mas não sem antes piscar um olho para as estrelas. Os poetas podem pôr um pé no fundo do rio e as mãos na nuvem que passa. Seus olhos conhecem o brilho da beleza e do feio; e do ruim conseguem tirar algo para aquecer os corações de cada um de nós (BRANCO, 2005, p. 5).

E assim, o narrador convida-nos a percorrer, a cada página deste livro, junto ao protagonista, o menino Leonardo, por espaços geográficos e poéticos do Brasil, em diálogo com alguns de nossos brilhantes trovadores... Gota a gota, vamos recebendo o mel da Poesia, em lições breves e preciosas, como:

– O reino da poesia existe na cabeça dos poetas e das pessoas que têm bastante sensibilidade.
– Ahn! O que faz um poeta?
– Esta é a pergunta mais difícil que já me fizeram, mas vou tentar explicar. Um poeta vive e observa, vê e aprende, toca nas coisas, sente, muito antes de falar sua mensagem (BRANCO, 2005, p. 7).

Sobre a estética da recepção, pela voz do poeta Gregório de Mattos, o narrador nos ensina a ler poesia: “Outra coisa que dificulta o leitor de poesia é a tendência natural de se querer entender tudo antes de se sentir” (p. 9). E mais:

– A poesia não é o real e sim algo a que damos uma roupagem nova, com musicalidade, intenções, sensibilidade. O poema é uma janela, um recorte da sensibilidade que, de repente, fica suspensa no ar. Nela não cabe tudo, apenas o essencial, porque não se pode dizer tudo que a poesia foge (p. 10).

O elemento didático deste livro ficcional para o público jovem não trai o fascínio do poético e o leitor se envolve no jogo estético, aprendendo até mesmo da construção narrativa de JB, como este impacto entre os sentidos do tato, dos sons e do visual, na descrição da experiência de Leonardo, contemplando o mundo da poesia, imerso em seus pensamentos e reflexões sobre o que ouvira de um dos poetas, Tomás Antônio Gonzaga, o árcade Dirceu, que em seus versos eternizou a sua Marília amada:

– Ares mais quentes o esperam. E é ainda pensando na bela amada do poeta que sente o calor da nova terra, enquanto uma brisa mexe com os seus cabelos, e o cheiro do mar o anima. Ao longe, já se vê e sente as ondas como uma pasta de dentes que se transforma em espuma branca na boca. Levantando mais os olhos, contempla o ponto em que o mar se confunde com o céu e este parece baixar. É a linha do horizonte, lembrou-se agora de sua professora de geografia (p. 16).

O pintor JB aqui se revela ficcionista, ao delinear ante o leitor uma aquarela da paisagem do Norte do Brasil, contextualizando o novo espaço onde surgiu o poeta Gonçalves Dias e sua saga poética.
E ainda, ao prosseguir a procura de Leonardo pelo reino da poesia, narrador e personagem se confundem nesse percurso obsessivo pelas veredas da arte, que sempre oculta mais mistérios e novas possibilidades no mundo das palavras:

Continua buscando mais. Quer conhecer novos lugares e quem sabe? – outros artistas com o mesmo dom de saber o que está por trás de palavras tão misteriosas e, às vezes, com o significado tão difícil.
Leonardo está começando a sentir o que é a poesia e como são os poetas, esses seres que procuram na linguagem o sentido da vida e a solução para os problemas seus e do mundo (p. 16).
Assim como Leonardo, nosso Poeta JB continua seu percurso, sempre à procura da Poesia. Mesmo que, como poetizou Drummond, seja uma luta vã, árdua e aparentemente, inútil, neste mundo do pragmatismo imediatista, do automatismo consumista e da exploração neoliberal...
Em sua concepção do homem e do mundo, na tentativa de apreensão da significância do olhado, JB faz a sua viagem, o seu voyeurismo poético. O poeta, como expectador do mundo, provoca o jovem leitor e a todos nós a prosseguir essa fascinante viagem pelo universo da Arte. Ao lançar hoje a segunda edição deste livro O menino que procurava o Reino da Poesia, temos mais um indício do espírito inquieto e autoinventivo de JB, a reinventar-se, criativamente, idealizando um mundo novo, fraternitário, onde a Poesia, o sonho tenham lugar, voz e vez...

Referências
BRANCO, Joaquim. O caça-palavras. Cataguases: Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho, 1997.
______. O menino que procurava o reino da poesia; ficção infanto-juvenil. Cataguases: Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2005
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.

****08/09/2018

[i] Professora Adjunta aposentada da UFV, Colaboradora no Programa de Mestrado em Letras do Departamento de Letras da UFV. Doutora em Ciência da Literatura (UFRJ).

8/20/2018

13 PÍLULAS DE RECEITA POÉTICA




(Desenhos de Nélson Bravo e Di Carrara)


1. O segredo (dos poetas) é a arma do negócio (poético). “Trouxeste a chave?”, perguntaria o vate mineiro.

2. Os poemas à amada, o poeta faz é pra ele mesmo, porque, desde as cantigas de amor, eles (os poemas) de nada valeram, pois elas (as amadas) nunca deram muita bola pra isso.

3. Sousândrade, quando fez o Inferno de Wall Street, não anteviu as transas de Watergate, nem o 11 de Setembro. Nem os Golpes de 64 e 2016.

4. A pedra no caminho corresponde à montanha bíblica. Hoje a pedra ainda está no caminho e a montanha, é apenas uma hipérbole.

5. Quanto maior o poeta (de uma escola literária) maior é o tombo (na escola seguinte).

6. A turris eburnea de que falavam os parnasianos se reduziu hoje a uma modesta torre de tv, em que se pode sintonizar a máxima poundiana de que “os poetas são as antenas da raça”.

7. Quanto mais brilho tiver a metáfora, maiores méritos terá o lustrador de tropos.

8. O poeta não é um nefelibata, mas um aeronauta do improvável.

9. Na estrada de Sintra, Fernando Pessoa e Sá Carneiro entoaram os primeiros falsetes musicais.

10. Atirar pedras na vidraça de CDA não é mais revolucionário do que fritar bolinhos, não é, garotões de 45?

11. Para realizar a educação pela pedra precisa-se começar como o engenheiro da pedra do sono. No final, todos serão cães sem plumas.

12. O poeta que resolver tomar cicuta, como o velho sábio grego, é porque não tem medo de certas rimas raras...

13. Os Rolling Stones foram os únicos artistas que conseguiram realmente remover a pedra do caminho, rolando-as, rolando-as....

(1975-2018)

8/13/2018

QUANTO TEMOS PERDIDO ULTIMAMENTE



RECEITA FACE-TO-FACE BOOK


A questão de adicionar ou não alguém, hoje, costuma ser algo pra se pensar bem. A internet é como aqueles desertos mostrados em filmes americanos onde caubóis passam por savanas e desfiladeiros em busca de não se sabe o quê ou quem. Podem ser vingadores, aventureiros à procura de ouro, caçadores de índios, embusteiros etc. O deserto é a tela do celular ou do computador. Ela pode ser cavalgada, visitada por quem quer que seja. Ela pode ser uma terra de ninguém ou um vale verdejante à espera de uma vida inteiramente nova. Vejamos o que escrevi em 2014 sobre adicionar ou não alguém:


7/18/2018

NAS VEREDAS DE UM SERTÃO ENCANTADO







Os irmãos Delson e Dalton Gonçalves Ferreira


Nova surpresa nos prepara Dalton Gonçalves Ferreira, com a publicação póstuma de “A saga de Riobaldo”, do seu irmão Delson, saído dessa mina que parece conter muito mais.
Depois da boa revelação do livro de poema “Tempo”, surge outra faceta deste grande escritor e professor Delson Gonçalves Ferreira, que escreve em versos sua interpretação das aventuras do personagem principal do “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.

Com ilustrações de Luis Matuto e projeto gráfico de Bernardo Lessa (editora Frente e Verso Encadernadora), recebo este “A saga de Riobaldo” que vem enriquecer o mundo rosiano com estas 150 páginas de uma bonita edição.
De um fôlego só, o livro – todo em versos, ora regulares ora não – traduz uma leitura crítica e criativa sobre a obra de Guimarães Rosa, tendo por base o texto do romance que representa o pensamento de seu protagonista Riobaldo Tatarana.

São muito interessantes os itens que precedem “A saga” de Delson Gonçalves Ferreira. Começa com os bilhetes recebidos pelo irmão Dalton sobre a obra. A seguir, vem “Um certo João”, uma visão poetizada de João Guimarães Rosa. Mais surpreendente ainda são as “Instruções” em número de 10 que “orientam” o leitor antes da leitura. Vou transcrever algumas:
I.O leitor lê e recria o poema.
II. Pontuação: o mínimo possível. Cada um coloque a sua.
IV. A poesia mora no texto, no contexto ou em qualquer lugar.
V. Todo poema é uma mensagem. Toda leitura é uma ultrapassagem.
VII. O que se diz é uma semente: tem que ter semeadura para dar colheita.
IX. O poema só existe por conta do autor e do leitor. (p. 12-13)

O texto do poema, em si, é escrito em versos curtos, alguns se alongando mais, sempre à procura de uma linguagem mais popular para o leitor, sem fugir do espírito do texto rosiano. Como aqui, ao falar do amor a Diadorim: “Aquele amor/ só desejo/ espinho/ e dor/ não foi de jeito. (p. 30) “(...) era uma linda mulher./ Descanse em paz/ dos homens/ e de Deus...” (p. 31-32). Há referências a todas as mulheres descritas pelo vaqueiro: a mãe Bigri e as paixões: Maria da Luz, Hortência, Diadorim, Nhorinhá, Rosa’uarda, Otacília... Após as recordações, e com elas, descrições aprofundam o pensamento: “No mundo/ cabe mundo/ de tanto recordar. (p. 88) Meus ais!/ Em bandos/ ou debandadas/ voltam alvoroçadas/ como aves voando/ as minhas recordações.” (p. 32)

Reflexões sobre o mundo passam do romance para a poesia do Delson, assim: “No mundo/ cabe mundo/de tanto recordar./ Mire e veja!/ Veredas/ buritis/ buritizais/ deste sertão...” (p. 88) Muitas vezes, mais trabalhadas poeticamente: “Veredas/ merejando/ molhando/ corpo e alma/ da gente.” (p. 89)

Definições do sertão, como era costume em Guimarães Rosa: “Sertão tem antes/ durante/ e depois.../ Ultrapassei./ Parei.” (p. 98) Aqui também: “No geral/ como vemos/ este mundo/ é muito misturado/ de bem e mal./ E ainda/ de mais ou menos./ Lado a lado/ o limpo e o imundo/ o raso e o profundo/ para homem navegar.” (p. 103)

A dúvida sobre a vida e a morte, e o que virá depois, são tópicos presentes em ambos os livros, mas sem perder a originalidade na obra analisada: “Um dia/ não sei a hora/ pode ser até agora/ chega a morte./ É mais fácil morrer/ do que viver./ Vou-me embora/ para o lado de lá./ Para ver/ o que há.” (p. 105)

Saudamos daqui a oportunidade que um irmão dá ao outro de levar sua obra ao público por meio de uma publicação que também traduz uma homenagem de um talentoso poeta a outro que, na literatura moderna, tornou-se um gigante de prodigiosa imaginação.

(18-07-2018)



Guimarães Rosa em foto solarizada

6/17/2018

NOS PORÕES DA MENTE





Considerado o mais importante autor da literatura russa no século XIX, Dostoiévski, atormentado pelo pai despótico na infância e mais tarde pela epilepsia, mesmo assim produziu intensa obra ficcional.

O jovem Dostoiévski, nascido em Moscou em 1821, chegou a enfrentar a prisão e o degredo na Sibéria por ter participado em 1849 de um levante contra o czar Nicolau I. Lá casou-se com Maria Dinitrievna e escreveria o seu 1º clásssico: Recordações da casa dos mortos.

Dez anos após, de volta a São Petersburgo e com novas idéias políticas, dedicou-se ao jornalismo e publicou Crime e castigo – sua mais célebre novela – e Noites brancas.
Apesar da venda dos livros, endividou-se com a doença da mulher, a quem abandonou para seguir para o exterior com a estudante Polina Súslova. Consegue trabalho na França, e gasta o dinheiro no jogo. Com remorsos pela sorte da esposa, deixa a amante e volta à Rússia, onde enfrenta situação pior: repressão, encargos e doenças na família.
A epilepsia e a angústia atacam-no. Nesse período concebe a novela Notas do subterrâneo, livro publicado no Brasil pela Editora Bertrand-Brasil em tradução de Moacir Werneck de Castro, capa de Victor Burton.

Reflexo direto de sua precária condição pessoal, o livro é um mergulho na mente humana, onde o autor vai buscar no pessimismo e na dor material para a obra, da qual transcrevemos alguns fragmentos:
“[...] não somente não mudamos, como simplesmente não podemos fazer coisa alguma. Seguir-se-ia, por exemplo, como resultado de uma consciência apurada, que ninguém se censura por ser um canalha, como se houvesse para o canalha algum consolo no fato de compreender que é realmente um canalha”. (p. 15)
“E agora termino minha vida no meu canto, escarnecendo de mim mesmo com o inútil e despeitado consolo de que um homem inteligente não pode vir a ser nada de sério desde que o só o idiota o consegue. Sim, no século XIX, um homem inteligente deve, está obrigado moralmente a ser, em essência, uma criatura sem caráter.” (p. 11)

Quando preparava para seu editor o livro Crime e castigo, Dostoiévski apaixona-se por sua estenógrafa Ana Grigonevna. Mudam-se em 1867 para Genebra, na Suíça, em razão de dívidas, e depois para a Itália.
Em 1871 voltam com uma filha para a Rússia e com algumas economias. Redator-chefe de O Cidadão, torna-se um renovador do jornalismo. Quando publica Os possessos e Os irmãos Karamázovi já era o maior autor russo do momento.

No geral de sua obra, Dostoiévski tematiza o drama do país e do povo russo, as mudanças de um sistema quase feudal no campo por influência de uma Europa que se modernizava, as injustiças, a violência, o materialismo e a fé.
Morreu em São Petersburgo em 1881.

6/14/2018

SOBRE CERTA CANÇÃO EM LENINGRADO





Já comentei aqui sobre a incrível viagem de Francisco Inácio Peixoto à Rússia em 1955. Dali resultou um livro de viagem intitulado "Passaporte Proibido".
Nele, às páginas 120 e 121, consta um poema de ocasião feito pelo autor, quando de sua passagem por Leningrado. Ali ele presenciou a dança de uma bailarina que o impressionou muito, motivando-o a escrever o poema "Cançãozinha para Gala Edelman", sobre o qual teço algumas considerações.
A utilização precisa dos fonemas em "a", que marcam o início do texto, produz uma espécie de "claridade" bem própria das noites geladas da Europa Oriental, que se alternam com os "iis" a pontilhar os passos da bailarina.
Seguindo a linha poética do texto do livro (embora escrito em prosa), este poema é marcado por sonoridades modernas, por um perfeito equilíbrio sintático, a dose certa na escolha morfológica. Mais ainda, outra resultante é um certo movimento dos versos que parece ser conduzido pela dança de Gala Edelman.
O estilo é leve e demonstra o tempo todo a busca da temática da paz que impressionou o poeta em toda a sua excursão pela Rússia. A arte de Gala aponta para os pontos cardiais onde poderia se localizar um futuro tão incerto naquela época como o é agora.
No fecho do poema, o poeta dá um tratamento cruzado às expressões "Pomba da Paz" e "Estrela do Norte", através de uma transposição que aumenta. para o leitor, o poder sugestivo para o objetivo e o tratamento do tema que ele criou. E, mais uma vez, ele o fez magnificamente bem:

CANÇÃOZINHA PARA GALA EDELMAN

Gala dança
dança e sorri
na noite branca
de Leningrado.

Que fazes, Gala,
de teu corpo infante
na noite branca
de Leningrado?

Tu o atiras
pela rosa-dos-ventos;
um pouco ao norte
(Norte, Estrela!)
um pouco ao sul.
O resto roubo-os,
que pertencem a mim.
(Tão pura és, tão linda, tão clara
que não distribuis desejos
mas esperanças).
Fico com as mãos
que estas, sim,
espalham messes.

Fico com os olhos
que tingem de azul
(de branco, de branco!)
tudo o que é áspero.

Fico com a graça
de Gala em flor
a quem elejo
do norte, pomba
Estrela da Paz.

A propósito, no nosso suplemento SLD (nos anos de 1960), o poeta Aquiles Branco bolou uma versão gráfica do poema que vale a pena transcrever:




6/12/2018

MUITO ALÉM DA "CORTINA DE FERRO"




Hoje poucos devem-se lembrar da expressão “Cortina de Ferro”, utilizada pelo Ocidente para caracterizar negativamente o bloco dos países socialistas da Europa Oriental, nos tempos da Guerra Fria que envolveu Estados Unidos e Rússia (ex-União Soviética). Ela indicava uma espécie de separação virtual entre o mundo “livre”, capitalista, e as nações “comunistas”.
O próprio significado da expressão já denota o grau de mistério e terror que a propaganda anticomunista procurava infundir aos povos subdesenvolvidos (em especial) com relação aos países socialistas. Foi nessa época –1955 – que Francisco Inácio Peixoto e sua mulher dona Amelinha fizeram uma viagem à antiga União Soviética e à Tchecoslováquia, e na volta não puderam passar pelos Estados Unidos, devido ao visto carimbado em seus passaportes pelos ‘comunistas’. Foi necessária essa introdução, especialmente para os mais jovens, que não viveram os anos temerários da Guerra Fria.
Dessa viagem resultou o livro Passaporte Proibido, escrito e publicado cinco anos depois por Francisco Inácio, e um dos melhores roteiros de viagens que já li. Através dele, o leitor pode conhecer a paisagem e algo do povo russo, dos "espiões" nas esquinas moscovitas à comida, das viagens de trem à amabilidade e aos hábitos das pessoas que encontrou.
Mas, além de tudo, o ponto alto do livro é a sua concretização como texto. Fica-nos sempre na lembrança a imagem daqueles livros de que não se pode retirar ou acrescentar uma linha sequer. Um texto essencialmente poético, onde fina ironia faz compasso com a divisão perfeita dos capítulos e os diálogos com as observações sempre pertinentes sobre o que o autor viu e anotou. A leitura do livro, prazerosa e enriquecedora, nos revela não só a terra soviética e a tcheca, como também a finura de um exímio estilista.
No primeiro fragmento selecionado, a descrição rápida do hotel em Praga deixa entrever a ironia com que o autor responde aos apelos da anti-propaganda disseminada pelos norte-americanos contra os ‘inimigos’ do leste: “No Hotel Alcron, a tarde é triste. No grande salão sombrio, há mulheres suspeitas e, positivamente, conspiradores internacionais que aumentam nossa emoção." (p. 10)
No capítulo “No futebol, com Ludmila”, quando vão a um estádio para ver um jogo, a frase descreve o amor pela paz universal, sintetizada na palavra “Mir”, que em russo significa “Paz”: "(...)desfraldando bandeiras e flâmulas. Numa delas, em muitas delas, em letras vermelhas, a palavra nunca esquecida: "Mir". Paz, asas."(p. 60)
Em visita a uma adega e na recepção calorosa que receberam: “Mais safras houvera, mais prováramos, pois a adega é fria; a hospitalidade, antiga; as obras, demoradas e o vinho, um veludo.” (p. 158) “Dos sorrisos, entretanto, optamos por aquele que umedece negros olhos caucasianos.”(p. 76)
No retorno à Tchecoslováquia, Peixoto narra, em Bratislava, o jantar com o escritor Wladmir Olerini, e, depois das conversas iniciais à mesa, aproveita para fechar o diálogo com esta observação: “Quanto ao Danúbio, já dormia. Tarde, não há mais nada a fazer, senão jantar e dormir também.” (p. 165)
Na despedida de Bratislava, volta a referência ao Danúbio: “Primeira descoberta: o Danúbio não é azul. Suas águas são cinzentas, como se rolassem num leito de tabatinga.” (p. 171)
O turista, muito longe da terra natal, descobre no comércio a lembrança brasileira, em pequeno capítulo denominado “Saudade, apenas”: “A mercearia exibe, na vitrina, os dois saquinhos de café com as indicações ‘Minas’ e ‘Santos’, trazendo secretas e profundas nostalgias às almas dos turistas.” (p. 14)
A breve visita a Praga, na atual República Tcheca revela o cumprimento carinhoso à velha cidade: “Estes, a quem ausência e regresso repetidos já conferem sentimentos de cidadania, te cumprimentam: – Bom dia, cem torres! Moldau, bom dia! É bom volver à tua primavera, Praga, reconhecê-la, ainda que se esconda na negrura e solidão de tuas noites.” (p. 175)
São belas e impressionistas as descrições que o escritor faz da cidade de Moscou e do cotidiano vivido lá no meio do povo, em seu primeiro dia de visita: “(...) Atravessamos a Praça Vermelha e contornamos as muralhas do Kremlim, até onde se avista o plácido Moskva, com suas ilhotas flutuantes de neve suja, descendo na correnteza. Na avenida marginal, as crianças do jardim da infância passam por nós como bichinhos desconfiados. Mais além, a fileira de ferroviários que se formou para a visita ao Kremlim, nem se dá conta de que invejamos sua alegria palreira e ingênua. As mulheres, de lenços na cabeça, riem com dentes de ouro, os homens de boné riem. (...)” (p. 41-2)
Passeando pelas ruas, em liberdade, sentindo-se um ‘fora-da-lei’, viu um povo tranquilo e receptivo: “Havia uma semana que estávamos em Moscou, num "à vontade" de colegiais em férias. Às vezes desacompanhados de nossos intérpretes, íamos à toa pelas ruas. Desapontava-nos o fato de não estarmos sendo seguidos (tanto pode a contrapropaganda sistemática!). Era, pois, sempre com uma ligeira emoção de "out-laws", de quem se lançou em perigosa aventura, que saíamos para esses passeios solitários. E se nos sovertêssemos de um momento para outro, raptados pelos ferozes organismos da polícia soviética, suspeitosos de nosso caderninho de notas e de nossa curiosidade peripatética? Mas, não houve espiões nas manhãs e nas tardes moscovitas. O povo, esse, se mostrava pacato e, sempre que com ele nos pusemos em contato, hospitaleiro e acolhedor. Sozinhos andamos e sozinhos chegamos a comprar (milagres da mais pura mímica!) uma canção que nos enlevara, um par de meias e um colorido gorro do Usbequistão.” (p. 64-5)
No trem noturno para Leningrado, em companhia de duas russas que se tornaram amigas, Francisco e Amelinha viveram novas emoções: “Vera e Ludmila partiram conosco para Leningrado. Deixaram-nos à porta da cabina, onde ainda levamos tempo parolando, e já o trem andava a quilômetros de Moscou quando nos separamos para ir dormir. Mas, não dormimos logo, que é sempre triste a partida, mesmo sem termos de quem nos despedir, e a noite é fermento para cismas doidas. Quando estas crescem, assim, em terra estranha, mais triste é o contraponto das rodas rodando nos trilhos e mais pungente o apito da locomotiva. Apagamos a luz do abajur e só ficou o rádio tocando baixinho, no escuro, uma perdida canção. Acordamos com um hino, quando já era madrugada lá fora, nas bétulas e nos pinheiros, nas estepes regadas de orvalho. Que riacho é este? Duas mulheres apanham água na bica, uma cerca ao fundo, um homem olhando o trem passar, três casinhas na estrada tortuosa, três crianças, o cachorro latindo, a estação vazia. Por que esta paisagem incaracterística, e não outra, permanece indelével na memória? Vera bate à porta, trazendo-nos um embrulho de sanduíches e laranjas. No trem noturno só servem o copo de chá quente, que a camareira nos oferece na bandeja, com os cubos de açúcar. Outra vez: próvida e previdente Vera!” (p. 110-1)
Finalizamos com o capítulo denominado “Despedida e regresso”, que retrata o fim da viagem, de rápida e rara beleza plástica, fechando numa tomada tipicamente cinematográfica: “(...)Para acalmar a nossa excitação, servem-nos carne defumada com "knedlik". E bebemos, de Pilsen, a subornadora Prazdroj. No dia seguinte partimos. Da janela do trem que nos levaria a Viena, vamos vendo, cada vez mais embaciados, os vultos de Jitika, de Frantisek, de Gabriel, que nos acenam da plataforma. Uma curva súbita, e os três desaparecem. Para sempre.” (p. 178)
Há muitas outras passagens interessantes no livro, que fala de economia, de política, de literatura, em tempero de humor e lirismo, mas, de tudo isso, preferimos os fragmentos que extraímos do texto e as impressões que ficaram desse vivo retrato de dois povos admiráveis.




Francisco Inácio e dona Amelinha em Moscou (1955)





Na Associação de Escritores Tchecos, na antiga Tchecoslováquia (1955)

3/24/2018

SHOW DE TRUMP






Nas savanas da África
soa o alarme das armas:
Trump autoriza caçadores
americanos a buscar seus troféus
na cabeça de elefantes e leões.

É uma nova lei (da selva)
sem Tarzan, com caravanas
para o deleite da alta burguesia
numa fria escalada de horror.

Ante o poder do dinheiro
nada podem os africanos.
(– Eles só querem os chifres,
os dentes e as cabeças dos bichos!..)

– Mas como tirar chifres e cornos
sem os matar?
Trump avança entre o sim e o não
e seu coração (?) balança
pela ordem final: a matança.

Duvidar, quem há-de?

(24-03-2018)

2/25/2018

ROTA PARA O RIO-MAR





Sobre o lado ímpar da memória
o anjo da guarda esqueceu
perguntas que não se respondem.

(João Cabral de Melo Neto)


Quanto mais se souber da geração que, nos anos de 1960, na esfera mundial, revolucionou artes e costumes de modo tão radical, e da história da pequena cidade mineira de Cataguases, mais se vai poder mergulhar no universo de Pomba-Poema, de Ronaldo Werneck. Porque essas são águas da memória, feita de emanações poéticas vindas de regiões e de um tempo que ainda não se conhecem bem.

Mas, se não for assim, mesmo se não se tiver afinidades com a geração de lennons, faustinos e guevaras, pode-se também fruir desse poema-livro, que é muito bom.

Percebe-se no início do poema como se descortina a cidade e o mundo – por que não? – como a preparar o leitor para a descrição-narração que vai acontecer: “Nesgas neblina/ manhã ainda agora/ o cheiro da maçã/ evocando a metrópole/ o mundo exterior extraído/ a cada odor & dentada/ o mundo além da reta da saudade/ antes das indústrias o mundo/ atolado/ na ponte do sabiá/ Há? Não há? Não sabíamos/ não sabemos/ não soubemos/ nunca jamais/ estava ali o mundo/ antes do tempo e da ponte/ num repente/ na girândola do vento/ manga/ jabuticaba/ abiu/ explodindo no dente/ mas o mar mar/ telando as pedras/ no meio da luz/ e dia memória.[...]” (p. 25)

Assim, deixe-se levar pelo seu embalo, perca-se nas corredeiras estreitas aqui, livres ali, ouça o canto dos seus pássaros nas margens, esqueça a poesia gramatical e paramentada. Guie-se pela descoberta e pelas sonoridades fluviais que puder encontrar dentro de si mesmo, porque ali estarão os poemas que ainda não foram escritos.

Lembre-se de que os modernistas nos deram a forma livre de escrever, depois João Cabral e os concretistas descobriram a palavra-ouro na sintaxe da bateia discursiva, e Cassiano Ricardo e os pós-modernos jogaram a palavra de novo no rio, riscando no mapa constelações de linossignos, afluentes e caudais ideogrâmicos e visuais.
Deixe o espírito liberto e o corpo descansado para ouvir estas vozes, que você entenderá, ou melhor, perceberá.

Mesmo porque o Pomba-Poema volta agora em outro livro, Minas em mim e o mar esse trem azul (Cataguases: Poemação Produções), com recorte novo e refotografado, garfado instante a instante por um Ronaldo ainda mais consciente e dono da matéria poética.

O livro ganhou, com o tempo, um projeto de edição definitiva, para ser lido aquém e além-mares, até que o futuro o consuma, e estes versos, que bem poderiam ser uma homenagem ao poeta Mário Faustino, vêm muito a propósito para finalizar a viagem de Ronaldo Werneck: “ao largo/ eu ilha/ eu barco/ bateau à toa/ rumo ao arco/ da tarde/ quilha que ecoa/ e corta/ o mar melado/ de sol/ e eternidade.” (p. 139)

2/20/2018

A NOITE DE JORGE TUFIC



O poeta Jorge Tufic (foto: proparnaiba.com)




A morte na semana passada do poeta Jorge Tufic (1930-2018) me colhe de surpresa, mas não sem dizer algo sobre ele e sua obra.

Poeta isolado no interior da Amazônia, destinado ao ostracismo pela distância dos grandes centros (São Paulo e Rio), mesmo assim conseguiu se projetar na literatura brasileira, embora seja mais conhecido por poetas e ficcionistas.

Na juventude, em Manaus, Tufic foi um dos fundadores em 1953 do "Clube da Madrugada", que reunia jovens escritores que estavam se iniciando na literatura e que mais tarde se projetaram regional e nacionalmente.

Outro dia, um de seus componentes, o contista Adrino Aragão, me lembrou de um de melhores trabalhos de Jorge Tufic: "Que será de ti, Amazônia?", constante de seu livro "Quando as noites voavam". Belo título, bons poemas, tema atualíssimo.

Por isso, vou me concentrar nesse poema. Não poderei transcrevê-lo dada a sua extensão, mas pinçarei alguns fragmentos. O título funciona como refrão a abrir todas as estrofes.

[...]
Que será de ti, Amazônia,
enquanto o envolvimento de teu solo,
à cata de minérios
envenenar os seus rios
e as toras de madeira submersas
desabarem sobre ti
numa queda insalubre e frenética
de chuvas ácidas?

[...]
enquanto o desmatamento e as queimadas
transferem para os teus ares o sezão
dos pântanos
e a temperatura dos internos?

[...]
última página do Gênesis,
quando os seres que fazem a tua escrita
enigmática
mergulhar na usura
que te rebaixa
aos olhos do mundo?

Assim, Tufic vai desfiando poeticamente todas as mazelas que afligiam (e agora ainda mais) sua terra, para terminar apocalipticamente:

"Os nichos sagrados estão em chamas.
Teu coração também se revolta
e sangra, Amazônia.
Fetos de carbono
imitam pajés enforcados
nas enviras do luar."

(20-02-2018)

2/08/2018

ASCENSOR PARA O CADAFALSO




Não sei por que, ao acordar, me lembrei do filme de Louis Malle "Ascensor para o cadafalso", com Jeanne Moreau e Maurice Ronet, de 1958. Um clássico francês.
Posso resumir: a mulher e o amante bolam um plano para matar o marido. O homem pratica o ato com a ajuda da mulher. Mas ao sair do apartamento, lembram-se de que esqueceram um roupão incriminador. O homem volta para pegar, mas fica preso no elevador.
Esse filme tem tudo – a partir do título – que lembra o momento atual: sordidez, traição, injustiça, mas aqui falta o roupão. Está tudo preparado. Por certo, se esquecerão de algo...
Escrevo antes do ato, portanto só posso conjecturar.
Mas, pela tv, estou vendo o exercício de contorcionismo dos cameramen para não mostrar toda a multidão que se concentra nas ruas. Os locutores estão exercendo o que tiveram de aprender em meses de distorção dos fatos, ao escolher palavras trocadas, num esforço para agradar aos senhores das estações. Tristes "profissionais". Os comentaristas, geralmente de baixo nível em língua portuguesa, fingem caras de sérios naquele "esforço" de dizer o implausível...
Só o povo nas ruas é pra valer. Muitos viajaram horas, torrando seu curto e suado dinheirinho para dar o seu apoio, mostrar a indignação para os togados e para a nação.
Sinceramente não sei o que poderá acontecer. Só tenho as palavras, estas que aqui vou alinhando, alinhavanhando, escolhendo e deixando no ar. Talvez para nada.
Prepararam o cadafalso. O ascensor vai subir. Tomara que pare e se possa fazer justiça a alguém que fez tudo para levantar o povo, e alguns ainda nem tomaram consciência disso.

2/06/2018

O "BRICOLEUR" MACHADO DE ASSIS







Depois de O quebra-nozes de Machado de Assis: crítica e historiografia, o professor e crítico Eduardo Luz volta às pesquisas machadianas com sua tese de doutorado O romance que não foi lido: Helena, de Machado de Assis (Edições UFC, Fortaleza, 2017).

Dividido basicamente em 3 partes: "O que Machado de Assis fez", "Como Machado de Assis fez" e "O que Machado de Assis é", a obra penetra profundamente no romance Helena, considerado até aqui como pertencente à primeira fase – a romântica – da ficção de Machado.

A leitura da tese é puro prazer para quem pelo menos conhece algo da obra de um dos maiores ficcionistas da literatura mundial no século XIX. Eduardo Luz produziu um trabalho que desperta a atenção do leitor até pela maneira como realizou o livro.

Na 1ª parte, o crítico prepara sua tese, alertando-nos para o que viria. Na 2ª, vem a grande novidade para mim pelo ineditismo da proposição: os 28 capítulos de Helena mereceram 211 notas curtas e curtíssimas que fornecem ao leitor um caminho suave (como leitura descansada e tranquila) para vencer essas 300 páginas de análise crítica. E na 3ª, identificam-se as fontes gregas aonde M. de A. foi buscar inspiração: as tragédias Coéforas, de Ésquilo, e Electra, de Sófocles e Eurípedes, atualizando-as para o seu século – o XIX.

Do mesmo modo que Eduardo chama Machado de "bricoleur", aqui lhe devolvemos o nome, pois utilizando o recurso das notas curtas, o crítico vai juntando os pedaços e/ou cacos para formar um imenso painel de clareza argumentativa, ao ir e vir, com desenvoltura, pelas páginas do romance, a fim de mostrar como nosso grande romancista construiu tijolo por tijolo sua obra. E o mais importante: ao provar que Helena não foi concebido como um simples romance do Romantismo da época, Eduardo Luz chama atenção para as 2 camadas em que Machado trabalhou: a "camada aparente", que seria percebida como interpretação romantizada, e a "subjacente", bem mais sofisticada, e que tem como tema a vingança ao estilo grego com as devidas adaptações para o Oitocentos.

Fonte inesgotável de pesquisas, a obra de Machado de Assis continua propiciando novas "descobertas" ao longo do tempo. Esta agora, da maior importância, levou o professor e crítico Eduardo Luz a publicar este "romance que não foi lido", uma bela surpresa para todos nós, críticos e leitores de Machado de Assis.




O crítico e professor Eduardo Luz







Cena de Helena, de Machado de Assis (coleção Gráfica e Editora Edigraf, S.Paulo).




A pintura de Magritte ilustra a capa de Valdianio Araújo Macedo.




1/06/2018

POEMA PROCESSO - 50 ANOS


Ao completar 50 anos de sua inauguração, 1968-2018, o movimento do Poema-Processo teve agora um documento digno de sua importância na vanguarda brasileira.
A edição da exposição e do livro Poema-Processo: uma vanguarda semiológica, pesquisa e organização de Gustavo Nóbrega pela Galeria Superfície, em São Paulo. Registramos o destaque à atuação e importância do poeta Wlademir Dias-Pino, pelo seu pioneirismo.


O poeta Dias-Pino



Trata-se de um tijolão de 320 páginas, formato grande, encadernação dura, edição wmf-martinsfontes.
Nele vamos encontrar toda a documentação sobre o movimento, incluindo os poemas e textos mais representativos, no tempo e no espaço, compreendendo as diversas vanguardas que formaram o P/P no país. Do grupo de Cataguases, participam da antologia com poemas: Ronaldo Werneck, Plinio Guilherme Filho, P.J.Ribeiro, Sebastião Carvalho e Joaquim Branco.


Bilhete do organizador Gustavo Nóbrega



Capa e contracapa do volume











Alguns dos poemas incluídos na antologia:


Cavalo Vietcong, de P.J.Ribeiro



Teagonia, de Plínio Guilherme Filho





de Sebastião Carvalho